segunda-feira, 16 de março de 2009

Habilitação de herdeiros - Direito de representação

Para vossa apreciação e comentários submeto este despacho de recusa que versa sobre a Habilitação de herdeiros e em particular sobre o direito de representação.Despacho Nº 01 / 2006-Recusa na feitura de uma escritura de habilitação de herdeiros solicitada pelo Dr. … – Advogado, com escritório em Mindelo.Fundamento da recusa: Existem menores como herdeiros do “de cuius” pelo que há lugar a inventário judicial obrigatório.Situação de facto:1. Foi requerida a habilitação de A que faleceu no estado de solteiro e teve três filhos, B, C e D (descendentes);2. O B faleceu antes do A tendo deixado dois filhos menores.Quid iuris ?1. Quem são os herdeiros de A ?2. O caso deverá ser objecto de Habilitação Notarial ou há lugar a Inventário Judicial obrigatório ?A questão central consiste em saber se os herdeiros do A são apenas o C e D, seus filhos, que sobreviveram ao A, ou, se os netos de A, filhos da filha pré - morta (pré – falecida) B, também o são, em virtude da aplicação do direito de representação regulado nos artigos 1967º a 1970º do Código Civil vigente.Caso se chegue a conclusão de que os filhos de B, netos de A, também são herdeiros por via do direito de representação, então, ao caso, por imperativo legal, cabe inventário obrigatório (vd. Artº 91º nº1, alínea a) do Código do Notariado, conjugado com o nº 2 do artigo 2030º do Código Civil).A nossa posição vai no sentido de que os filhos de B também são herdeiros de A, por via do direito de representação (vocação indirecta), dai a nossa recusa em celebrar a escritura solicitada, com a indicação de que deve ser intentado um processo judicial de inventário obrigatório, visto que estes são ainda menores de idade.Fundamentação:Antes de mais, convém ter sempre presente, que no caso nos encontramos no âmbito da sucessão legal, e, como sub espécie desta, da sucessão legitimária. O artº 2082º do C.Civil, diz que “São herdeiros legítimários os descendentes, o cônjuge e os ascendentes, pela ordem e segundo as regras estabelecidas para a sucessão legítima”.No caso sub judice, por via da designação legal (artº 2082º) e das regras estabelecidas na sucessão legítima (artº 2061º), os herdeiros de A são os seus descendentes B, C, e D.Mas entretanto o B não sobreviveu (pré-morte) ao A, tendo deixado descendentes. O Código Civil a respeito do direito de representação diz no artº 1967º que “ Dá-se a representação sucessória, quando a lei chama os descendentes de um herdeiro ou legatário a ocupar a posição daquele que não pôde ou não quis aceitar a herança ou legado” (o sublinhado é nosso). Isto significa que para que haja direito de representação é preciso: 1º - Que, como requisito geral, o herdeiro ou legatário não possa ou não queira aceitar a herança ou legado, e aqui importa analisar as causas de “não poder”, que no âmbito da sucessão legal, concretamente, podem consistir na pré-morte, comoriência, ausência, indignidade, deserdação ou repúdio; e na sucessão testamentária, apenas por pré-morte ou repúdio; 2º - Que o herdeiro ou legatário tenha deixado descendentes, qualquer que seja o grau de parentesco (preferindo os de grau mais próximo); 3º Que os descendentes ocupem a posição daquele que não pôde ou não quis aceitar.No caso concreto, dá-se a representação por o B “não poder” aceitar a herança. A causa de “não poder” é a pré morte. O artº 1970º refere expressamente que na susseção legal “A representação tem sempre lugar, na linha recta, em benefício dos descendentes de filho do autor da sucessão e, na linha colateral, em benefício dos descendentes de irmão do falecido, qualquer que seja, num caso ou noutro, o grau de parentesco. ”. Ora, no caso concreto há lugar ao direito de representação em benefício dos descendentes do B (filho do autor da sucessão – que não sobreviveu ao A ).De notar que esta situação vem expressamente prevista, no que tange à sucessão testamentária, no artº 1969º do C.Civil – “ Gozam do direito de representação na sucessão testamentária os descendentes do que faleceu antes do testador …” (sublinhado nosso). Significa que os descendentes de um herdeiro ou legatário testamentário que falecer antes do testador gozam do direito de representação. Note-se que a falta da existência física (e consequentemente a perca de personalidade jurídica) daquele que faleceu (pré-morte) antes do autor da herança, não coíbe aos seus descendentes o direito de representação.O direito de representação constitui uma excepção à regra da sucessão legítima de que o parente mais próximo exclui o parente mais afastado de cada classe (artº 2063º C.Civil), e opera, nos termos legalmente previstos, tendo como requisito geral a circunstância de o chamado à sucessão “ não poder “ ou “ não quiser” aceitar a herança, abarcando como causas, situações de pré-morte, ausência ou indignidade, favorecendo então os descendentes daqueles que não puderam herdar, por haverem falecido antes do autor da herança, por serem declarados ausentes ou indignos.ConclusãoPosto isto, com o devido respeito por posição contrária, nos termos da argumentação supra, corroboramos a nossa posição sobre esta questão, mantendo a decisão de recusar a feitura da escritura de habilitação com fundamento no facto de existirem menores como herdeiros do “de cuius” pelo que há lugar a inventário judicial obrigatório, nos termos do artigo 91º nº1, alínea a) do Código do Notariado, conjugado com o nº 2 do artigo 2030º do Código Civil.Nota explicativa: O presente despacho é lavrado por solicitação expressa do Exmo. Sr. Advogado Dr. ..., produzindo todos os efeitos previstos na legislação em vigor.Cartório Notarial da Região de Primeira Classe de São Vicente, aos 20 de Junho de 2006.